A Mecânica Pós-Newton
Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo)
Leonhard Euler
As idéias desenvolvidas por Galileu, Huyghens e Newton apresentavam aos cientistas, até o final do século XVII, pontos que não estavam perfeitamente claros e concatenados.
Houve, a partir do século XVIII, um trabalho de organização dessas contribuições, que levou a uma melhor compreensão dessas idéias e permitiu também o desenvolvimento de novas formulações da teoria da mecânica. Essas formulações constituem a chamada mecânica analítica ou mecânica racional. Em linhas muito gerais, pode-se dizer que elas partem de princípios estabelecidos como gerais no universo físico, sobre os quais repousa a teoria da Mecânica Clássica, e se desenvolvem de forma coerente e matematicamente rigorosa. Não se trata de outra teoria no sentido de que nela se chega às mesmas equações básicas do movimento, mas o ponto de partida e o desenvolvimento matemático que leva às equações básicas do movimento é diferente na teoria apresentada nos "Principia" e nas formulações da chamada mecânica analítica.
Além disso, a teoria newtoniana era universal mas foi focalizada na descrição do movimento do ponto material, que na visão mecanicista é o constituinte básico de qualquer matéria que se movimente. Os sistemas físicos reais são compostos de muitos pontos, sejam eles corpos rígidos, onde estes pontos têm distâncias fixas entre si, seja nos movimentos de sistemas ou meios fluidos, como os líquidos, onde os muitos pontos que os compõem podem ter distâncias entre si variáveis no tempo. Tanto a teoria para descrever o movimento dos corpos rígidos quanto a teoria dos "meios contínuos", que descreve o movimento dos fluidos foram construídas a partir do século XVIII, com base na teoria para um ponto material.
Para se ter uma pequena idéia da evolução da mecânica após Newton, basta comparar a formulação das leis básicas da mecânica nos considerados bons textos atuais de nível básico com a formulação dos "Principia" de Newton. Uma primeira leitura pode dar a impressão de que os textos atuais e os "Principia" tratam de assuntos distintos. Este aspecto já foi mencionado quando foi transcrita parte da formulação newtoniana. Estamos admitindo aqui que o leitor conhece um pouco a atual formulação da mecânica devida a Newton.
Para mencionar algumas das inúmeras e importantes contribuições para a mecânica pós-Newton, citamos o Princípio dos Trabalhos Virtuais estabelecido por Jean Bernouilli, em 1717. Com este princípio é estabelecido o conceito de conservação de energia de forma mais geral do que havia sido feito anteriormente. Esse fato está aqui citado porque a energia se torna uma grandeza central na formulação da mecânica clássica no período pós-newtoniano.
Outra contribuição que cabe mencionar deveu-se a Euler (1707 - 1783). Euler trabalhou em diferentes aspectos da mecânica. A ele se deve o conceito de força como entendido hoje, ou seja, a força (que ele denominava de potência) é a grandeza responsável pela mudança do estado de movimento de uma partícula. Euler propôs um esquema de decomposição de força, que é o precursor do método atual de decompor a força em componentes: "se num corpo atuam várias forças, podemos imaginar o corpo dividido em igual número de partes de tal forma que cada uma das forças atua sobre uma dessas partes".
O seu trabalho de 1736 "Mechanica sine motus scientia analytice exposita" é apontado por alguns autores como o primeiro merecedor do nome de mecânica racional. Por isso talvez tenha sido o primeiro a empregar a Análise matemática - o cálculo diferencial e integral na formulação da mecânica. Embora o cálculo diferencial e integral tenha sido criado, quase que simultaneamente, por Newton (com o nome de fluxons) e Leibnitz, nos "Principia", Newton fez uso apenas do aspecto geométrico do cálculo.
Em 1760, Euler publicou a Theoria motus corporum solidorum seu rigidorum, onde define um corpo rígido com precisão a partir da conservação das distâncias entre quaisquer dois pontos no corpo, além de definir o centro de massa e o momento de inércia dos corpos rígidos.
Euler estudou o movimento de um corpo rígido em torno de um eixo fixo e esclareceu o conceito de eixos principais de inércia. Estudou ainda o movimento de um sólido qualquer, decompondo-o em um movimento de translação do centro de massa e um movimento de rotação em torno do centro de massa. Estabeleceu, assim, as equações básicas do movimento do corpo rígido.
O trabalho iniciado por Euler de racionalizar a mecânica teve na contribuição de Louis de Lagrange (1736 - 1813) o seu momento alto. Em seu famoso trabalho Mecanique Analytique, publicado em 1788, a mecânica é apresentada numa nova formulação, hoje conhecida como formalismo lagrangeano. Esse formalismo, devidamente estendido, foi utilizado em muitos dos desenvolvimentos teóricos do século XX.
Lagrange analisou com profundidade e objetividade os trabalhos de seus antecessores e contemporâneos e enriqueceu o seu próprio trabalho também como referência histórica de tudo que havia sido construído até a sua época. Esse conhecimento permitiu que sua teoria de mecânica fosse capaz de eliminar as contradições ou falta de articulação dos trabalhos de seus antecessores. Sua preocupação primordial parece ter sido o fundamento dos princípios da teoria, a perfeição da linguagem matemática e o desenvolvimento de um método analítico geral capaz de chegar à solução última de questões de movimento, ou seja, de solução de problemas de mecânica. Nas preliminares de seu trabalho Lagrange detalha seus principais objetivos da seguinte forma:
reduzir a teoria de mecânica e a arte de resolver problemas associados a ela a uma formulação geral, de forma que a sua simples utilização forneça as equações necessárias para a solução de cada problema.
E mais:
unir e apresentar, de uma forma clara, os diferentes princípios que fundamentam a teoria de modo que auxiliem na solução de problemas de mecânica; mostrando sua dependência mútua e julgando sua validade e interpretações possíveis.
Um dos princípios básicos da mecânica clássica no tratamento de Lagrange é o chamado "princípio de mínima ação", que foi estabelecido dentro de uma grande polêmica entre os pesquisadores da época. Esse princípio na mecânica se inspirou no princípio estabelecido em 1622, por Fermat, segundo o qual a luz escolhe o caminho que minimiza o tempo de seu percurso em qualquer meio onde se propague; o que explicava os fenômenos de reflexão e de refração da luz.
O "princípio de mínima ação" da mecânica minimiza uma grandeza chamada ação, que não discutiremos neste texto. Ele foi inicialmente introduzido por Maupertuis e foi desenvolvido também por Euller, antes de Lagrange, e por Hamilton, posteriormente a Lagrange.
Em relação ao interesse de Lagrange quanto ao aspecto puramente matemático de seu trabalho declarou: não serão encontrados diagramas neste trabalho. Os métodos apresentados não requerem construção geométrica nem argumentos mecânicos, mas apenas operações algébricas inerentes a um processo regular e uniforme. Aqueles que apreciam a Análise (matemática) apreciarão ver a mecânica se tornando um novo ramo dela e serão gratos a mim por ter ampliado esta área.
Em dois trabalhos publicados em 1834 e 1835, Hamilton apresenta o seu formalismo para resolver um problema geral de mecânica, hoje conhecido como formalismo hamiltoniano. Ele usou o seu profundo conhecimento e contribuições no estudo da óptica para avançar na racionalização da mecânica. Uma extensão do formalismo de Hamilton para os questões de movimento de sistemas de dimensões atômico-moleculares ou menores, conhecida como mecânica ondulatória, foi desenvolvida neste século por Schrödinger, sendo das mais utilizadas na chamada física quântica.
De grande relevância para entender o movimento do ponto de vista de um referencial acelerado foi o trabalho de Coriolis. Ele realizou estudos sobre a lei da composição das acelerações. Nas suas palavras, seu objetivo era "descrever o movimento de qualquer máquina na qual certas partes se movem de uma certa forma". Com isto, em 1831, pôde estabelecer a necessidade de somar às forças de interação as chamadas forças inerciais para determinar o movimento observado no sistema acelerado. Uma destas forças é conhecida como força de Coriolis. O fato de a Terra ser efetivamente um sistema em rotação em relação ao seu próprio eixo, além de executar um movimento de rotação em torno do Sol, dá uma idéia da importância de se saber descrever o movimento de referenciais acelerados.
Em 1851, Foucault (1819 - 1868) publicou um artigo em que demonstra, através de medidas experimentais do real movimento de um pêndulo, que a Terra tem um movimento de rotação em torno do seu eixo. Foucault constatou o deslocamento angular do plano de oscilação de um pêndulo; e a medida deste deslocamento se mostrou compatível com o esperado pelo efeito da rotação da Terra em torno de seu eixo com um período de 24 horas.
Outra área bastante desenvolvida na fase pós-newtoniana foi o movimento dos fluidos, que é conhecido como dinâmica dos fluidos ou hidrodinâmica.
Em 1738, Daniel Bernoullius publicou um trabalho que abordava a estática (situação de equilíbrio) e a dinâmica (situação de movimento) de fluidos. Ele resolveu uma enorme gama de problemas que desafiavam o conhecimento na época. Esse trabalho ainda é a base para a hidrodinâmica atual.
Não se pode deixar de mencionar que D'Alembert e Euler também deram contribuições importantes nesta área.